O dia começa cedo para a família do agricultor Adilson dos Santos, 33 anos. Produtores de mandioca da comunidade quilombola Boa Vista do Itá, de Santa Izabel do Pará, região metropolitana de Belém, eles são o retrato de uma tradição que vem se perpetuando por gerações e garantindo na mesa dos paraenses o produto que é a base alimentar do Estado. Do plantio ao beneficiamento, o lavrador herdou do pai a cultura que hoje é a principal fonte de renda da vila, onde vivem cerca de 50 famílias. No Pará, 96% da mandioca produzida vem da agricultura familiar. “Mandioca é pop, mandioca é tudo”, brinca Adilson. Ele está certo. Os produtos derivados da planta são diversos e ajudam a compor alguns dos pratos típicos mais conhecidos da região. Quase onipresente na mesa do paraense, a farinha é, muitas vezes, o alimento principal, nos sete dias da semana. Mas para chegar até as nossas casas, é preciso muito esforço e dedicação, aliado ao emprego de pesquisa e investimentos cada vez maiores do poder público. O conhecimento empírico do homem do campo hoje recebe o apoio de novas tecnologias e técnicas de plantio, que resultam em mais qualidade e produtividade. Maior produtor brasileiro, com cinco milhões de toneladas por ano, em uma área plantada de 300 mil hectares, o Pará vive o desafio de substituir a defasagem tecnológica por novas técnicas, que incluem mecanização, uso de mudas mais resistentes a intempéries e doenças, adaptadas à região, e a substituição da chamada roça de toco, mais agressiva ao solo, por plantios sustentáveis. A produção está presente nos 144 municípios paraenses e serve, basicamente, para a subsistência. Uma cadeia produtiva que envolve, do plantio à comercialização, cerca de 300 mil pessoas. São agricultores, atravessadores e comerciantes, que juntos movimentam R$ 1 bilhão na economia local por ano. Diante de tamanha expressão agrícola, o papel do Estado é dar apoio ao produtor, para garantir-lhe condições de gerar renda, ter qualidade de vida e promover a segurança alimentar. “Temos que pensar à frente para andar no caminho do desenvolvimento. Não acreditamos em produção sem renda; para ter renda, precisamos de produtividade, e isso exige tecnologia. É graças ao produtor que temos alimento na mesa, por isso investimos para que esse agricultor tenha qualidade de vida”, diz o secretário adjunto da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), Afif Jawabri. Vida no campo O apoio institucional, feito muitas vezes em parceria com as prefeituras, é traduzido no trabalho do extensionista rural, profissional que acompanha o produtor e leva para a lavoura o conhecimento que, muitas vezes, transforma as pequenas lavouras em grandes áreas produtivas. “É a experiência no campo propriamente dita. Estamos todos os dias ao lado do agricultor, para ajudá-lo a melhorar a plantação, seja com a obtenção de empréstimos, seja na aplicação de novas técnicas de manejo”, resume o diretor técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater), Rosival Possidônio. A comunidade Boa Vista do Itá, em Santa Izabel, recebeu no ano ado 400 mil mudas da maniva do tipo Poti, mais resistente à doença e à podridão, e 75 toneladas de fertilizantes. A distribuição foi feita pela Sedap em parceria com a prefeitura. Com novas técnicas de plantio e uso de adubo – uma novidade no local –, e a introdução da mecanização, a propriedade de Adilson já melhorou a produtividade. O resultado é mais renda para a família. O agricultor chega a faturar R$ 500 por semana com a venda dos produtos derivados da mandioca, que ele mesmo e a família produzem na casa de farinha que mantêm, rusticamente, no quintal. “Começamos na segunda-feira e, na quinta, estamos finalizando tudo, farinha, goma e tucupi”, diz Vilma dos Santos, enquanto prensa a mandioca no tipiti. Adilson reconhece o apoio do Estado na produção e a parceria quase diária com a Emater. “Depois que recebemos as mudas e aprendemos a usar adubo, melhoramos e muito a plantação. Comecei sem muito conhecimento, aprendi tudo com o meu pai. A Emater chegou e abriu nossos olhos, além de dar um e que não teríamos como conseguir de outra maneira. Estou confiante que, em breve, não vamos precisar comprar mandioca de outras cidades para fazer farinha”, diz Adilson. O secretário de Agricultura de Santa Izabel, Gilvandro Andrade, reforça o apoio ao pequeno produtor. “Investimos nas comunidades porque elas são a base de tudo. Produzem o alimento que consomem e que também abastece as cidades. O maior desafio ainda é unir a prática empírica reada por gerações ao conhecimento científico que avança na área a partir de pesquisas e estudos feitos para melhorar a produtividade”, explica. No município, que fica a 50 quilômetros de Belém, cerca de 1,5 mil famílias vivem da produção de mandioca. Gestão de negócio Segundo a Emater, a região Norte é a maior produtora de mandioca do Brasil, e o Pará responde por 70% dessa produção. É possível, no entanto, ir além, sobretudo porque hoje o Estado, embora seja autossuficiente em farinha d’água, importa a fécula (ou polvilho doce, do qual é feita, por exemplo, a farinha de tapioca) de Estados do Sul e Centro-Oeste. “É fato que a extensão rural gera maior produtividade, mas precisamos avançar na pesquisa e levar esse conhecimento científico ao encontro do produtor. Também precisamos ter a participação de outros agentes, entre eles financiadores, para que possamos explorar o potencial produtivo que temos”, defende Rosival Possidônio. Mais do que produzir, porém, é saber gerir a própria propriedade, isto é, aprender a trabalhar com novas tecnologias e menor custo e esforço físico. “Tanto é assim que a maioria dos agricultores não sabe negociar. Chega com o produto e pede para o comprador colocar o preço. Essa mentalidade também precisa mudar”, sugere o diretor da Emater. Mais de 100 mil produtores rurais da mandioca recebem apoio direto da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural no Estado. Para Possidônio, com a aplicação de programas específicos voltados a essa cadeia, é possível saltar das atuais 15 toneladas por hectare ao ano para 22 toneladas anuais, sem aumentar um centímetro de área plantada no Estado. O Estado também investe para melhorar o processamento da mandioca. É comum ver como surgem, no interior, produtos como farinha e tucupi. As casas de farinha, muitas vezes rústicas, são o local de fabricação dessas iguarias. Sem atender, na maioria das vezes, os requisitos básicos de higiene e vigilância sanitária, é nessas pequenas choças que a raiz vira alimento. Para melhorar as condições dos espaços, a Emater vai distribuir 100 kits contendo equipamentos mais modernos. A meta é substituir, aos poucos, os utensílios ultraados por mecanismos mais fáceis de limpar e manusear, sem que a farinha perca a textura característica desejada pelo cliente. Além das cerca de 50 mil casas da farinha espalhadas pelo Estado, a mandioca já é processada também em pequenas agroindústrias, onde o beneficiamento é feito com maquinário específico e de maneira mais ágil. No método tradicional, o processo dura cinco dias, da colheita até a embalagem do produto. Na comunidade Espírito Santo do Itá, também em Santa Izabel, a casa de farinha da líder comunitária Cristina Borges, 33 anos, produz dez sacos de 60 quilos toda semana. Cada um é vendido em média a R$ 180. “A mandioca é o que nos sustenta aqui, literalmente. Todo ano, em abril, fazemos um festival, que nos ajuda a arrecadar recursos para a comunidade. Somos cerca de 40 famílias, e todas vivemos disso”, afirma. Debates O destaque paraense na produção de mandioca vai trazer ao Estado o maior evento do gênero. Pela primeira vez, o Pará recebe o Congresso Brasileiro de Mandioca. Com promoção da Sociedade Brasileira de Mandioca, realização da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), juntamente a Corporación Clayuca, o encontro ocorre entre os próximos dias 12 e 16 de março, no Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, em Belém. Considerando a importância do cultivo da mandioca também para os países da América Latina e região do Caribe, ocorre, paralelamente, o II Congresso Latino-Americano e Caribenho de Mandioca. Os eventos constituem o principal fórum de integração dos agentes da cadeia produtiva da mandioca, representados por instituições de ensino, pesquisa, fomento, assistência técnica e extensão, defesa vegetal, produtores agrícolas e empresários. São também fortes oportunidades para apresentação de inovações geradas no setor de máquinas e equipamentos, bem como para levantamento e prospecção de novas demandas de interesse. Para o secretário adjunto da Sedap, Afif Jawabri, é bastante oportuna a vinda dos eventos ao Estado. “Os debates vão apresentar as últimas novidades no cultivo e processamento de mandioca. É a oportunidade de qualificar técnicos e apresentar ao produtor paraense o que há de mais atual em termos de tecnologias e pesquisas, além de evidenciar à sociedade a importância dessa cultura no Estado. No evento também vamos discutir a criação de uma política específica para o setor, com a participação de diversos órgãos parceiros”, diz o secretário. Serviço: O XVII Congresso Brasileiro de Mandioca e o II Congresso Latino-Americano e Caribenho de Mandioca vão de 12 a 16 de março, no Hangar. Mais informações, programação e inscrições aqui. |